segunda-feira, 10 de março de 2008

América Latina: Tiros no meu quintal

Imagine se o seu vizinho começa uma briga com um desafeto dentro da casa dele. Você ouve discussões e sente que a situação vai ficando cada vez mais tensa. Logo, escuta alguns tiros e fica apreensivo. O desafeto do vizinho resolve fugir justamente para o seu quintal. Ele pula o muro para se esconder no seu jardim. De repente vem o seu vizinho armado até os dentes e começa a disparar em direção ao seu quintal. Certamente você não iria gostar nada disso. E ainda por cima, para justificar a invasão de sua casa, ele ainda te acusa de dar cobertura para o desafeto dele. Aí já é demais.

Guardadas as proporções, é o que ocorreu com a incursão militar do exército colombiano e território equatoriano na semana passada. Com a justificativa de matar os guerrilheiros das FARC, o exército do governo Uribe invadiu o território do Equador para realizar um sanguinário bombardeio, em que morreram quase duas dezenas de pessoas, entre elas, Raul Reyes, o principal articulador das Farc. Segundo informações de organizações sociais, o dirigente estava no país vizinho justamente para negociar a libertação de Ingrid Betancourt, a prisioneira mais ilustre da guerrilha. Prestes a ocorrer a libertação, o governo Uribe se apressou em matar o líder das Farc para provocar um incidente militar com repercussão mundial.

Se você ainda não está convencido da gravidade do fato, vamos então jogar um pouco mais com as imagens. Pense então o que aconteceria se o exército argentino bombardeasse o sul do Brasil para atacar e matar algum grupo que estivessem perseguindo. Imagine um bombardeio no Rio Grande do Sul ou no Paraná. O que nós brasileiros iríamos achar disso. Não, definitivamente, é uma situação muito complicada, ainda mais se considerarmos que o governo da Colômbia tem o apoio financeiro e militar do governo Bush. Através do Plano Colômbia, teoricamente para reprimir o narco-tráfico, o país recebe armamentos e apoio do governo dos EUA.


Para piorar a situação, o governo Uribe ainda tentou forjar provas que o governo equatoriano do presidente Rafael Correa está apoiando as Farc. Tive a oportunidade de cobrir como jornalista, para a agência de notícias Carta Maior, as eleições presidenciais no Equador no final de 2006. Conversei com várias pessoas que iriam compor o governo Correa e tive contato com o próprio candidato no primeiro turno das eleições. Na época houve denúncias de fraude, quando o candidato Álvaro Noboa, milionário magnata da banana, ganhou o primeiro turno apesar de todas as pesquisas de opinião darem a vitória para o oponente.

Diante das denúncias de fraude, o segundo turno ocorreu normalmente e Correa ganhou com larga vantagem. Apesar das propostas esquerdistas, Correa está muito longe de ser uma liderança que tenha alguma proximidade com a guerrilha colombiana. Ele é um economista muito mais próximo do terceiro setor e do ambiente acadêmico e fica difícil imaginar qualquer ligação com grupos que defendem a luta armada, a não ser que seja para intermediar negociações para a libertação dos sequestrados da própria guerrilha. A negociação estava bem avançada com a participação do governo da França, mas a ação do exército colombiano provocou novamente a tensão máxima na região.

É tudo muito preocupante. Sabemos que George W. Bush invadiu o Iraque com a justificativa de uma ação preventiva contra as armas de destruição de Sadam. Apesar da resolução contrária da ONU, o exército norte-americano invadiu o Iraque mesmo sem motivos comprovados. E apesar de não encontrar nunca as tais armas, a ocupação do Iraque persiste até hoje, cinco anos depois. No dia 19 de março, é o aniversário da fatídica invasão e nesta data, no mundo inteiro, os povos e movimentos saem às ruas e praças para protestar e exigir a desocupação do território iraquiano.

Neste ano, a manifestação incluirá mais um ponto de reivindicação e protesto: contra a ameaça da política militar do governo colombiano, apoiado pelos EUA, contra seus vizinhos do Equador e da Venezuela. Mais além de uma guerra da informação e de posturas ideológicas, os povos da América Latina pedem que o continente continue sem conflitos bélicos e sem guerras entre países. Apesar da violência urbana e no campo e da desigualdade social, o continente latino-americano não sabe o que é uma guerra há mais de um século.

Por Alexandre Sammogini

** Jornalista, cobriu a eleição presidencial no Equador em 2006. Membro da organização internacional Mundo Sem Guerras e do Movimento Humanista.

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