SALVADOR ALLENDE VIVE!
Sinto-me muito honrado com o convite de poder fazer a
apresentação da edição brasileira do livro que reúne as reflexões
de Tomás Hirsch sobre os dilemas contemporâneos de nossas
sociedades chilenas e latino-americanas.
Ao ler a versão em espanhol para preparar essas linhas, fi-
quei realmente impressionado com a contribuição das idéias ai
presentes. Percebi que Tomás é uma grata revelação e que recu-
pera a tradição dos grandes pensadores sociais que o povo chileno
gerou para a América Latina. Segue a trilha de nossos queridos
Pablo Neruda, Salvador Allende, Victor Jará, Miguel Henríquez,
Pedro Vuskovic (de quem tive o prazer de ser aluno na Unam, no
México, logo após o golpe militar de 1973), e tantos outros.
Certamente as reflexões contidas nesse livro serão de grande
valia para toda militância social brasileira. Por muitas razões.
A luta de classes no continente latino-americano seguiu ao
longo do século vinte, os ciclos de ascenso e descenso.
Tivemos um virtuoso período de ascenso revolucionário, de efervescência
das lutas sociais, que começou com a revolução da Bolívia em
1952, passando pela vitória eleitoral da Unidade Popular no Chi-
le, em 1970, que gerou o governo Allende até 1973. E o ciclo se
encerrou com a vitória sandinista em 1979. Embora os ciclos da
luta social seguem a correlação de forças nacionais, e cada país
teve seu próprio calendário e características, mas em geral o ciclo
continental seguiu uma mesma tendência.
Depois tivemos a reação do capital, o descenso das mobili-
zações de massa, e a imposição de ditaduras militares em quase
todos os países. Ai começou o ciclo do retrocesso, justamente
com o golpe militar de 1964, no Brasil, e seguiu-se até 1984, por
todo continente.
Mas a historia social seguiu, e tivemos um novo re-ascenso
das massas, embora de curta duração, que retomou as lutas demo-
cráticas para derrotar os regimes militares, e reconquistamos em
quase todos os países, a democracia formal. Mas ela era insufici-
ente. E o capital não perdeu tempo. Diante da fragilidade das
organizações sociais e políticas, mesmo que o povo tivesse con-
quistado nas ruas e no voto, a redemocratização formal, eles nos
entregaram o voto, mas nos tomaram o estado e a economia.
A partir da década de 1990,.em todo continente, o imperia-
lismo nos aplicou as regras do neoliberalismo. O neoliberalismo
era apenas uma nova forma de dominação do capital, agora na
sua sob hegemonia do capital financeiro e internacional. Nessa
etapa, eles tomam de assalto nossa economia e o estado. Privati-
zam tudo o que podem. E impõem regras draconianas de explora-
ção do trabalho, cada vez mais precarizados, sem direitos previ-
denciários e sociais. E agora, é o Chile que sob manto ainda da
longa ditadura Pinochet serve de ensaio para todas as políticas
neoliberais a serem aplicadas no continente.
Quanto tudo parecia perdido. O filosofo gringo Fukuyama
foi escalado para anunciar o fim da historia e a supremacia total
do império. Houve de fato uma derrota política, social e ideológi-
ca das esquerdas e das forças populares. Mas eis que o ciclo da
historia não para, e a partir dos anos 2000, entramos num novo
período de luta social no continente. Nossos povos desiludidos
com as mentiras neoliberais se agarram no direito ao voto, para
pelo menos protestar e dizer somos contra! Daí surgiram a nova
onda de governos progressistas, como na Venezuela, Bolívia,
Argentina, Equador, Brasil, Uruguai, Nicarágua, e mais recente-
mente a vitória de Fernando Lugo no Paraguai.
Essas vitórias eleitorais foram importantes e representaram
um freio ao avanço do neoliberalismo. Mas ainda não consegui-
mos derrotá-los.
É nesse contexto que as reflexões de nosso querido Tomás
Hirsch são importantíssimas. Ainda mais, por ele, que também
tentou pelo voto derrotar o neoliberalismo chileno, e não conse-
guiu.
As forças sociais e de esquerda do continente ainda passam
por uma grave crise ideológica. Os paradigmas as vezes tomadas
como dogmas por certos setores se alteraram com o desenvolvi-
mento do capitalismo em escala global. Com a ação cada vez
mais predadora de suas empresas transnacionais e seus insaciá-
veis bancos. Eles continuam controlando nossas economias e
nossos estados. E as massas, ainda não tem forças organizadas
suficientes, para implementar um re-ascenso da mobilização em
todo continente, que de fato nos recoloque num novo ciclo de
ofensiva da classe trabalhadora. Estamos em transição e crise. E
esse é o momento para as reflexões, para compreender quais se-
rão os melhores caminhos a seguir. Para debater que tipo de pro-
jeto de sociedade queremos. Novos paradigmas estão colocados
para as sociedades. É preciso repensar a questão do estado. A
voracidade do capital está colocando em risco a sobrevivência da
vida no planeta, com o esgotamento completo dos recursos natu-
rais, se mantivermos esses padrões estúpidos de consumo, impos-
tos pelo modus vivendi Estadunidense. É preciso combinar cada
vez mais os princípios socialistas da economia, com os princípios
humanistas da civilização.
Precisamos mais do que nunca refletir, debater e construir
coletivamente um novo projeto político de sociedade. Que será
nacional, porque precisa responder às necessidades de nosso po-
vo, em nosso território. Mas que será cada vez mais internacional
nas suas concepções e formas de ver o mundo.
Tomás Hirsch é um visionário porque nos traz a todos, nes-
sas linhas, suas reflexões sobre esses paradigmas, sobre esses
desafios que estão colocados para nossa geração.
E recupera com a sensibilidade humanista, a estatura do
pensamento de Salvador Allende. Daí a perfeita combinação de
lançarmos o livro na versão brasileira justamente para celebrar os
100 anos de nosso querido Allende. Que vive, por sua coerência,
por seu exemplo de vida, pela profundidade de suas idéias... co-
mo disse em sua ultima alocução radial antes de ser morto ..
"Chegarão novamente, no futuro, os dias em que as massas toma-
rão as ruas e alamedas, e exercitarão sua força de mobilização
para construir sociedades mais justas, livres, humanistas e socia-
listas!"
João Pedro Stédile
Maio de 2008
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